Atrasos Concorrentes: E se a contratante e a contratada atrasam ao mesmo tempo uma atividade da obra?

  • Post category:Artigo

Durante a execução de uma obra acontecem diversos eventos que podem resultar em impactos negativos e atrasos para o cronograma do projeto, e, por vezes, esses diferentes eventos se sobrepõem durante um período de tempo em uma mesma atividade. Se os atrasos são causados tanto pela Contratante, quanto pela Contratada, e afetam a mesma atividade ou atividades paralelas que não possuem folga dentro do cronograma, ambas são igualmente críticas e as partes possuem responsabilidade sobre o atraso. Trata-se de uma questão técnica e jurídica complexa e polêmica que chamamos “Atraso Concorrente”. Por um lado, o desafio é determinar de forma justa o direito da Contratada à extensão de prazo como resultado de um evento de atraso de responsabilidade da Contratante e ao ressarcimento dos custos adicionais com essa extensão. Por outro lado, considerando eventos de responsabilidade da Contratada, existe a necessidade de recuperar o atraso ou de indenizar a Contratante devido à falha em concluir o trabalho no prazo acordado.

Cada atraso deve ser verificado ao longo do caminho crítico do cronograma “as built” (como realizado), ter sua causa identificada e deve ser quantificado de forma independente. Para tanto, primeiramente, é necessário identificar e entender as cláusulas contratuais pertinentes à ocorrência de atrasos a fim de se determinar o caráter compensável e justificável. Quando as cláusulas contratuais forem subjetivas na determinação de atrasos concorrentes, é prática internacionalmente recomendada a seguinte:

1 – Atraso Compensável:São atrasos de responsabilidade da Contratante que adiam a data final do projeto. Esses atrasos não foram concorrentes com atrasos de responsabilidade da Contratada ou com atrasos decorrentes de eventos de força maior. Nesse caso a Contratada tem direito a prazo e a ressarcir os custos adicionais;

2 – Atraso Justificável:São atrasos causados pela Contratante, ou causados por eventos de força maior, que foram concorrentes com eventos de atrasos da Contratada ou com eventos de força maior, e que atrasaram a data final do projeto. Nesse caso, a Contratada tem direito a prazos, mas não tem direito a indenização econômica pela extensão de prazo. Não cabe a aplicação de penalidades pela Contratante;

3 – Atraso Não Justificável: São atrasos de responsabilidade da Contratada, e que por isso ela tem a obrigação de empreender esforços para recupera-los, e/ou poderá ser penalizada.

 

 

Premissas para a Identificação dos Atrasos Concorrentes

Os atrasos de uma Construção são mostrados sob ótica dependente do lado em que se encontra a análise. A Contratada busca demonstrar que o atraso é compensável para o período de concorrência caso esses atrasos sejam sobrepostos somente por um período, ou mesmo, que o atraso é justificável, utilizando o atraso concorrente como elemento para evitar penalidades estabelecidas em contrato. Por outro lado, a Contratante utiliza o atraso concorrente para desconstruir a reivindicação da Contratada para atraso compensável, convertendo-o para atraso justificável ou mesmo injustificável. Assim, para alinhamento, alguns dos guias mais conhecidos no campo da análise forense de construção, o “Society of Construction Law” (“SCL”) e o “American Association of Cost Engineering (“AACE”), orientam para a caracterização e o cálculo dos Atrasos Concorrentes.

Independente do lado em que o analista esteja trabalhando, existem quatro pré-requisitos necessários para que o atraso seja considerado concorrente:

– Devem ser dois ou mais atrasos independentes e estarem no caminho crítico do projeto;
– Os atrasos devem ser causados por partes diferentes ou por evento de força maior;
– O atraso ou a desaceleração das atividades devem ser involuntários;
– O evento deve ser provado como de difícil solução.

O protocolo 29R-03 da AACE descreve em detalhes os quatro pré-requisitos, todavia, os autores consideram importante fazer duas considerações: (i) Em relação a eventos de força maior, alguns contratos tratam esse tipo de atraso como compensável, então se a Contratada tem seu próprio atraso concorrente com um evento de força maior compensável, ela pode ter direito a um atraso compensável ao invés de justificável; (ii) Durante a execução do projeto pode haver períodos com muitos atrasos que são concorrentes, mas nem todos serão no caminho crítico (provavelmente um será). A Contratada, mediante demonstração, poderá ter direito aos custos associados com os atrasos em atividades não críticas.

 

Cenários Típicos de Atrasos Concorrentes

Existe a concepção de que atrasos concorrentes são dois atrasos independentes impactando o caminho crítico no mesmo período de tempo. Entretanto, como mostram os cenários seguintes, atrasos concorrentes têm variantes que determinam o tipo de atraso a ser considerado.

Para melhor ilustrar os diferentes cenários, foi considerado um cronograma hipotético simples com 15 dias de duração total, com um caminho crítico e um não crítico.

Apresenta-se a seguir os diferentes cenários de análise:

 

Cenário nº 1

Esse cenário é conhecido como atraso concorrente verdadeiro. Consiste em dois atrasos independentes, um pela Contratada e outro pela Contratante, que impactaram o caminho crítico e possuem a mesma duração de dois dias. Nesse caso, normalmente a Contratada tem direito a extensão de prazo referente ao atraso concorrente, mas não tem direito a compensação econômica. (Atraso justificável).

 

Cenário nº 2

O cenário nº 2 mostra dois atrasos independentes, um causado pela Contratada e um pela Contratante, impactando o caminho crítico em dois dias. No entanto, o atraso da Contratante é maior que o da Contratada em um dia. Nesse caso, normalmente a Contratada tem direito ao atraso justificável pela parte do atraso que é concorrente (no caso, 1 dia), e ao atraso compensável pela parte do atraso que é responsabilidade somente da Contratante (no caso, 1 dia).

 

Cenário nº 3

De forma similar ao cenário 2, este cenário mostra dois atrasos independentes com durações diferentes impactando o caminho crítico. Nesse caso, o atraso da Contratada é maior que o da Contratante em um dia. Assim, a Contratada pode ter direito a extensão de prazo (atraso justificável) pelo atraso que é concorrente (no caso, 1 dia). No entanto, a Contratada pode estar suscetível a penalidades pela parte do tempo em que foi a única responsável pelo atraso.

 

Cenário nº 4

O cenário nº 4 mostra dois atrasos independentes: um no caminho crítico e outro em um caminho não crítico. Apesar de tecnicamente não ser considerado atraso concorrente, uma vez que, se o atraso no caminho crítico for eliminado, o outro atraso não irá impactar no término do projeto, os autores consideram importante mostrá-lo porque esse tipo de situação é normalmente negligenciada durante a análise de cronograma. Esse caso mostra dois eventos ocorrendo concorrentemente, a Contratada está atrasando o caminho crítico do projeto, enquanto a Contratante está impactando outra atividade não crítica. Nesse caso, a Contratada é suscetível a penalidades pelo atraso uma vez que ela afeta o término do projeto (não justificável). Entretanto, a Contratada pode ter direito a custos adicionais específicos referentes ao atraso na atividade não crítica causado pela Contratante.

 

Cenário nº 5

De forma similar ao cenário 4, este retrata dois atrasos, um impactando uma atividade crítica e o outro impactando uma atividade não crítica, que estão ocorrendo durante o mesmo período de tempo. A diferença com o cenário nº 4 é que o evento impactando o caminho crítico é causado pela Contratante e, então, a Contratada pode ter direito à extensão de prazo e aos custos indiretos associados ao atraso (compensável). No caso do evento impactando uma atividade não crítica, causado pela Contratada, a Contratante, normalmente, não consegue aplicar penalidades pelo atraso por não estar inserido no caminho crítico. Entretanto, se a atividade não crítica está ligada a um marco obrigatório (que contratualmente estabelece penalidades por atraso), a Contratada é suscetível a penalidades.

 

“Pacing Delay”

O que diferencia o “Pacing Delay” de um atraso concorrente é que uma parte, normalmente a Contratada, conscientemente desacelera ou até mesmo para os trabalhos devido a um atraso causado pela outra parte. Como já mencionado, um dos pré-requisitos para ser considerado atraso concorrente é que este deve ser involuntário, e no caso do “Pacing Delay” a parte afetada de forma voluntária e consciente diminui o ritmo do trabalho, a fim de mitigar prováveis danos econômicos futuros.

Um caso típico é quando a Contratante atrasa a obtenção de licença para trabalhar em uma área onde se desenvolverá uma atividade crítica, e então, a Contratada decide desacelerar o trabalho enquanto a Contratante resolve o problema. A desaceleração pode ser em forma de retenção da mobilização, ou relocação de recursos para outras áreas de trabalho onde os mesmos podem ser utilizados. Outro caso típico é relacionado a falta de projetos sob responsabilidade da Contratante, ou sua revisão extemporânea.

 

Atribuição de atraso

A tabela a seguir apresenta as situações de atrasos e seus efeitos em cada situação específica.

Conclusivamente, atrasos concorrentes são reais e objeto de discussão na maior parte das análises de cronograma. Entretanto, a análise de atrasos concorrentes tem sido, em diversas situações, mal realizada, o que tem levado, não apenas a rejeições nos tribunais, mas também prejudicado os resultados globais da análise de cronograma. Assim, o exposto nesse artigo tem o caráter de esclarecer como esse tema é orientado por respeitadas instituições que estudam custos adicionais na construção e praticado nos tribunais para solução de conflitos envolvendo contratos de engenharia.

 

Geovane Mendes Martins
Diretor da Hormigon Hect
geovane@hormigon.com.br
 
Geovane Martins é sócio da Hormigon Hect e possui mais de 20 anos de experiência no ramo de engenharia e administração de contratos, notadamente em processos de gerenciamento de projetos, gerenciamento de pessoas, e consultoria na elaboração de Claims. Atualmente provê trabalhos de consultoria em Gerenciamento de projetos e contratos para para a indústria de celulose, energia e mineração no Brasil e Argentina (contratantes), assim como consultoria na elaboração de claim’s para construtoras e montadoras. Atua também como assistente técnico em demandas no judiciário e em câmaras de arbitragem, apoiando escritórios de advocacia.

 

Luis Edgard Roman
Diretor
lroman@navigant.com
Luis Roman é diretor no escritório em Atlanta da Navigant Consulting, Inc. Global Construction Practice (www.navigant.com). Possui ampla experiência em construção e gestão de projetos e atua nas diversas disciplinas da engenharia, fornecendo consultoria em gestão de projetos, auditoria de contratos, e análise de desvios de Contratos relacionados a escopo, prazo, custos e falhas técnicas. Sua experiência inclui análise de atrasos em cronogramas, análise de custos em empreendimentos industriais, energia, metálicas e infraestrutura, no Brasil e no exterior. Também presta consultoria em gestão de projetos, otimização de cronograma e custos, controle de sistemas, monitoramento e produtividade.