Importância do Early Case Assessment feito por Consultor Externo

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Importância do Early Case Assessment feito por Consultor Externo
Geovane Martins, Henrique De Caux, Paulo Lage


Resumo:
Este artigo discute a relevância de uma análise crítica externa de pleitos em contratos de construção, destacando que essa perspectiva isenta e especializada permite uma avaliação mais confiável dos pedidos, aferindo suas chances de êxito e riscos envolvidos de forma mais realista. Essa análise permite, ainda, a construção de cenários de negociação que podem, inclusive, evitar uma disputa. Sendo a disputa uma condição inevitável, a avaliação dos pedidos em seus estágios preliminares permite que se construa uma estratégia adequada ao caso, privilegiando os pedidos com maior probabilidade de êxito, reduzindo complexidade e custos no processo; bem como, aumentando a chance de um resultado positivo.

Palavras-Chave: Early Case Assessment, Arbitragem, Claims, Funding

 

1. Introdução

Previamente ao ingresso em uma disputa ou até mesmo negociação de um pleito, é importante a opinião externa de profissionais que não estão envolvidos diretamente com o Contrato e na elaboração dos pedidos a fim de se obter uma opinião neutra, pautada na documentação que foi produzida. Esse processo busca uma análise mais realista, refletindo melhor os valores que podem ser esperados ao fim do processo.

Uma primeira vantagem dessa análise crítica é buscar uma provocação inicial que possa trazer mais substância ao pedido e fortalecê-lo. Um segundo ponto positivo é de não persistir com pedidos frágeis, ou de pouca relevância. O terceiro aspecto, e aí pensando na esfera judicial, é evitar aventuras e sucumbências. No caso de arbitragens, mesmo não havendo sucumbências, ao final do procedimento é estabelecido rateio das custas com o processo, conforme exame do número e valores dos pedidos formulados e da proporcionalidade do decaimento de cada uma das partes em relação a cada um desses pleitos.

Com esse filtro, é reduzida a complexidade dos casos, e torna-se o processo mais breve e menos custoso. Em se tratando da esfera de negociação, permite o estabelecimento de cenários de concessões ou a aplicação de descontos comerciais, a fim de se atingir um entendimento que atenda as partes.


2. Importância da avaliação externa

Uma dificuldade comum quanto aos pleitos vistos no mercado, é que são geralmente preparados e defendidos pelas equipes das empresas interessadas com viés da rotina do canteiro de obras, seja o contratante ou contratada.

Apesar da competência técnica dessas equipes, muitas vezes estes profissionais, excelentes para planejar ou produzir, por exemplo, desconhecem as técnicas para análises forenses, que são particulares ao meio de perícias, quando se analisa o caso em uma visão retrospectiva – isto é, daquilo que ocorreu de fato no contrato. Ainda, o processo exige uma formalidade expositiva e documental para que seja apresentado a juízes e árbitros, ou mesmo na exposição de um pleito, o qual tem que estar bem documentado para que a outra parte tenha condição de escalar o assunto para as esferas competentes e com o conforto de aceitar a procedência.

Não raro, os claims preparados pela equipe de obra prescindem do devido embasamento causal e documental, e quando são levados a cabo, são desmontados por experts contratados pela parte contrária.

Uma visão integrada e externa é essencial para a análise dos pedidos, além de possibilitar o mapeamento de novas reivindicações, não identificadas pelos profissionais que dia a dia estão envolvidos no contrato.

A avaliação externa permite uma análise mais confiável, isenta e compatível com critérios adotados pelos peritos, juízes e árbitros quando da avaliação dos pedidos da parte e da contraparte, além de fornecer uma compreensão mais profunda das nuances técnicas e riscos envolvidos. Com um diagnóstico completo do Contrato, antes do início da negociação ou disputa, a parte terá informações para se posicionar de maneira a preparar um caso com maiores chances de êxito – ou não insistir com um cujas chances sejam remotas.

A antecipação das análises (early case assessment) é fundamental para o sucesso, especialmente nas arbitragens, permitindo a identificação de possíveis lacunas ou inconsistências na documentação e na argumentação, que ainda podem ser corrigidas antes do início do processo arbitral. Nessa linha, a contratação de um Assistente Técnico antes do início da disputa é fator essencial para o êxito nas discussões, auxiliando na preparação cuidadosa do caso desde o seu início.

Na outra ponta, há também o case assessment de um pleito recebido, ou seja, a avaliação de uma reivindicação da outra parte no contrato. Nada muda, pois a avaliação externa e neutra possibilitará verificar, independentemente do conhecimento do histórico do contrato, entender se os pedidos estão fundamentados e possuem a relação causa consequência estabelecidas.


3. Análise dos pedidos e elaboração de matriz como ferramenta para elaboração de um case assessment

A questão que se coloca é: como realizar uma avaliação eficaz do caso?

Para responder a essa questão, é necessário, antes, revisar conceitos preliminares de um Claim, especificamente quanto à construção do nexo causal.

Para que se realize um Pedido, deve haver um fato gerador cuja responsabilidade possa ser alocada à outra parte, seja por uma falha, por um evento externo cujo risco tenha sido assumido pela outra parte na matriz de alocação de riscos do Contrato, ou outra situação prevista no contrato ou na lei.

O fato deve se relacionar à consequência de impacto negativo que tenha se manifestado no contrato (sintoma), e ambos, fato e consequência, devem estar registrados em documentos de contrato. Por exemplo, um fato pode estar registrado em diário de obra, e este ter gerado um atraso, constatado por meio de exercícios (a exemplo da RP-29R AACEi) que evidenciem o impacto no caminho crítico do cronograma do empreendimento.

A consequência, por sua vez, deve estar associada a algum dano econômico à parte reclamante (reflexos econômicos ou custos adicionais), os quais podem ser apurados por meio de técnicas de quantificação.

Figura 1 -Análise de nexo causal

 

Para comprovação do nexo causal de um pedido é necessário haver documentação de suporte, uma objetiva construção de relação de causa consequência, e que os cálculos sejam elaborados usando as práticas reconhecidas de mercado, visando clareza na demonstração.

Não somente o método utilizado para análises e demonstrações deve ser defendido, como aqueles não utilizados devem ter justificativas para sua não utilização. Não cabem opiniões pessoais.

Feita a análise de cada pedido, recomenda-se posicionar cada pedido em uma matriz, como a que se ilustra a seguir, cujos eixos vão de 0% a 100% quanto a (i.) no eixo vertical, aderência dos fatos narrados às previsões contratuais e legais, que autorizam a concessão do pedido; e (ii.) no eixo horizontal, qualidade da documentação analisada e consonância com as práticas recomendadas de mercado.

Figura 2- Análise crítica de um claim

 

Para fins ilustrativos, toma-se como exemplo um contrato de construção, cuja equipe da obra elaborou três pleitos em prol da empresa Contratada ao longo do contrato:

⦁ Pleito “a”: Custos decorrentes da extensão de prazo, no valor de R$ 10.000.000,00;
⦁ Pleito “b”: Recebimento de bonificação (que seria dada caso a contratada atingisse um marco em determinada data), correspondente a R$ 1.000.000,00; e
⦁ Pleito “c”: Notas Fiscais de Terceiros não pagas pela contratante, no valor de R$ 3.000.000,00.

Esses pleitos não foram acolhidos, e foram então submetidos à avaliação externa a fim de se avaliar a viabilidade de uma negociação ou disputa. Por meio de um estudo de cronograma, com base na documentação disponível, a consultoria verificou que a contratante foi responsável pela maior parte dos atrasos (75%), contudo, a avaliação completa dos documentos mostrou a existência de atrasos concorrentes e não justificáveis, que reduziam o prazo ao qual a contratada faria jus a uma compensação. Ademais, constatou-se que não haveria comprovação para boa parte dos custos indiretos pleiteados.

O marco de bônus também não foi atingido, e os atrasos do contratante não justificavam por completo o seu deslocamento.
Ademais, verificou-se que a contratante não realizou pagamento das Notas Fiscais da empresa responsável pelo fornecimento de aço, que, segundo o contrato, deveria ser remunerada via faturamento direto.

Desse modo, considerando a procedência técnica e o suporte documental de cada um dos três pleitos, estes podem ser posicionados em quadrantes indicando valores prováveis (em verde), possíveis (em amarelo) e remotos (vermelho). Cada item posicionado, com sua respectiva coordenada de suporte e procedência, pode ser decomposto nos 4 quadrantes:

Figura 3 – Matriz de Posicionamento Estratégico do caso teórico

 

A partir da demonstração gráfica, pode-se analisar a força de cada Claim e identificar (i) em quais pedidos se deve focar um esforço maior na busca por documentação que permita um melhor suporte e assim atribuir uma melhor probabilidade de êxito; (ii) retificar o pedido, adequando valor, ou mesmo (iii) desconsiderá-lo.

Tabela 1 – Distribuição de probabilidade dos valores dos pedidos

 

A iteração entre os valores dos pedidos e suas chances expressas nos eixos do gráfico, resultam na seguinte distribuição de probabilidades, também classificada nas cores verde, amarelo e vermelho:

Uma pimenta mais, na mesma análise poderia ser levantada as exposições a que se expõe a Contratada, haja vista nem todo o atraso teria sido justificado. Assim, ela poderia incorrer em penalidades, e nesse caso apesar de valores a receber, conforme o Early Case Assessment feito, haveria riscos quanto a um valor que poderia ser reivindicado pelo Contratante, reduzindo ou mesmo anulando o saldo a receber da Contratada. Ou seja, cenários concretos para tomada de decisão do interessado.


4. Fatores para serem considerados para a tomada de decisão

Já na negociação deve-se ter concluída a análise de Case Assessment. Mas diante dos resultados e documentos apresentados pela outra parte, e não sendo os termos da negociação favoráveis, tornando o litígio iminente, é mais uma vez momento de apresentar projeções ao time jurídico e à diretoria do interessado sobre os possíveis desfechos de uma disputa.

A decisão de prosseguir ou não com um litígio deve ser embasada em parâmetros objetivos, considerando não somente os valores dos pedidos e riscos associados, mas também as custas da disputa, especialmente em casos de arbitragem, em que os valores a serem pagos são calculados com base nos valores pedidos.

No cenário internacional, estima-se que as custas dessas disputas de “construction claims”, que podem ser classificadas como extensas e complexas, gire em torno de 10 a 15% da causa. Por sua vez, a HECT realizou levantamento de sentenças, que melhor reflete o cenário nacional, e compilou, no gráfico a seguir, a relação entre as custas da arbitragem e o valor dos pedidos.

Gráfico 1 – Valor do Pedido x Custas da Arbitragem

 

A depender do arranjo definido no termo de arbitragem, esses custos com assistentes, advogados e câmara são reembolsados à parte que obteve êxito no litígio. Contudo, em razão do desencaixe financeiro entre o desembolso dos custos com a arbitragem e o cumprimento da sentença, algumas empresas se deparam com dificuldades de financiar o procedimento. Nesses casos, uma opção que tem sido cada vez mais buscada é o financiamento de terceiros – fundings. Nessas situações, ter um case assessment bem elaborado e que reflita a qualidade e força dos pedidos é fundamental para negociar melhores condições de financiamento.

Os principais fatores a serem sopesados para a tomada de decisão a respeito do ingresso na arbitragem são sintetizados a seguir:

Figura 4 – Aspectos relevantes na tomada de decisão sobre ingresso em arbitragem


5. Conclusão

A condução eficaz de processos de negociação de claims e arbitragem demanda não apenas uma análise técnica especializada, mas também uma colaboração estreita entre equipe técnica e jurídica. Nesse contexto, é relevante a integração dessas equipes para a identificação, mais cedo possível, de premissas jurídicas que nortearam as análises técnicas, fatos geradores de impactos, valoração dos custos correspondentes, preparação adequada do caso e avaliação crítica dos riscos envolvidos.

A avaliação preliminar dos pedidos e emprego de uma visão externa contribui para a qualidade e acurácia da construção do mérito e valoração dos pleitos. Este estudo ancora a análise de risco do procedimento e serve como parâmetro de comparação para as demais variáveis, que estão ligadas às custas e esforço do procedimento. O processo auxilia o gestor na tomada de decisão que busque alcançar resultados favoráveis ao mesmo tempo que se mitiga os riscos associados aos litígios.

 

 

 

[1] Geovane Martins é engenheiro civil e advogado, MBA em gestão de projetos. Eles são especialistas em análises de desvios em contratos de construção e apoio técnico em disputas, com experiencia em projetos no Brasil e exterior.
[2] Henrique de Caux é Engenheiro de Produção Civil pelo CEFET-MG com mais de 10 anos de experiência em avaliação de contratos de infraestrutura e resolução de conflitos.
[3] Paulo Lage é gerente da HECT. Formado em engenharia civil pela UFMG e pela University of Brighton – Reino Unido, e Técnico em Edificações pelo CEFET-MG. Possui certificação em Engenharia de Custos pela AACEI e MBA em Finanças pela FIA. [4] Custos incluem: gastos com advogados, assistentes e câmaras.
[5] Artigo “Arbitration & Litigation Too Expensive? Construction Contract Dispute Funding May Be The Answer”, publicado por JAMES ZACK CONSULTING, LLC.
[6] Sentença havidas entre os anos de 2021 e 2024.
[7] Captação de recursos externos para financiamento da disputa, sendo a sentença uma das garantias do credor.