Claims no Gerenciamento de Projetos – Parte I

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Parte 1

Resumo – Abordagem geral dos elementos necessários a caracterização, relacionamento causal, fundamentação, documentação, apresentação e negociação de um claim. Procede-se a breve retrospectiva histórica da origem do claim, desde a idade antiga e clássica passando pela idade moderna até os dias atuais. Avalia-se suscintamente o claim sob a ótica do código civil nacional.

Introdução

Mais que nunca, a escassez de recursos, a alta competitividade (presente em todos os setores econômicos), à consolidação da abertura do país a produtos estrangeiros, bem como a tendência natural das organizações em otimizarem seu recursos, contribuíram para a criação de um terreno fértil e ideal para a prática do Gerenciamento de Projetos sistematizadas em metodologias.

Um número crescente de empresas no Brasil vêm utilizando metodologias para o Gerenciamento de Projetos, em especial o PMBOK (PMI), que sem sombra de dúvidas representa uma evolução na forma das empresas concretizarem seus planejamentos estratégicos, conduzindo ações com prazo, escopo e custo definido.

Essas empresas constituem estruturas organizacionais cujo tempo de duração em pouco ultrapassa o tempo de duração de seus projetos, ou seja, elas mobilizam organizações (que podem ser chamadas de Project Office, ou escritório de gerenciamento do projeto) contratam pessoas especializadas do mercado, alugam equipamentos, contratam empresas prestadoras de serviços ou fornecedoras de equipamentos e materiais e na conclusão do projeto implodem essas estruturas absorvendo em seu sistema todo o conhecimento trazido por esses especialistas e empresas.

De idêntica forma, um número cada vez maior de profissionais tem preferido trabalhar sob a forma de projetos, em especial pelas melhores remunerações que vêm sendo dadas a estas atividades.

E é neste novo e dinâmico cenário que surge a pactuação de negócios por meio de instrumentos contratuais, os quais tentam especificar e impor um número imenso de regras aos pactos. Entretanto, a racionalidade limitada, presente em todos os aspectos da vida humana, molesta também os projetos, ou seja, é impossível prever-se tudo o que irá ocorrer no transcurso de seu desenvolvimento. Situações inesperadas surgem durante a execução dos trabalhos, fazendo com que o negócio que fora pactuado, em muitos casos seja descaracterizado causando para uma das partes um desequilíbrio e obrigando a mesma a apresentar uma reivindicação de reequilíbrio econômico financeiro do contrato, também chamado de claim ou de pleito.

Neste cenário, a administração de compras e contratos torna-se um elemento fundamental para a melhoria dos resultados dos projetos e consequentemente das organizações, em especial, porque uma grande parte dos custos destes projetos passa por aquisições.  Reduzi-los ou otimizá-los torna-se portanto fator fundamental. Estudos indicam que em alguns projetos os custos com aquisições de materiais, serviços e equipamentos, podem atingir até 90% dos custos do projeto.

Breve histórico de Claims e da Imprevisão nos contratos nas idades clássica

A origem dos claims não é recente. Cícero já dizia na Roma antiga que:

“A alteração dos fatos e das circunstâncias leva a uma alteração da verdade”.

Muitos séculos antes disso, o código Hamurabi, primeiro conjunto sistêmico de leis civilistas que se tem notícia salientava:

“Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, ou por falta d’água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano”.

Posteriormente, e de forma quase que contemporânea a Cícero, Sêneca alertava:

“A menor mudança deixa-me inteiramente livre para modificar minha determinação, desobrigando-me da promessa”.

Dezenas de outros autores escreveram de forma semelhante. Séculos subsequentes, no absolutismo, surge uma nova teoria que vem ainda mais reforçar o princípio dos claims que foi a chamada “teoria do fato do príncipe”.

Naquele tempo, os monarcas contratavam empreiteiros para a construção de seus castelos. Durante a construção, os príncipes, filhos dos imperadores, visitavam os trabalhos e ali solicitavam diversas modificações de campo, pedindo a substituição de acabamentos, o aumento de áreas de construção, mudança na forma de fazer (metodologia executiva), entre outras. Isto onerava os custos dos empreiteiros que posteriormente, ou durante a execução dos trabalhos apresentavam aos monarcas os seus claims, solicitando o ressarcimento dos valores dos custos gastos com a vontade do príncipe.

Após a revolução francesa, o código civil daquele país colocou, de certa forma, um limite nos claims ao especificar que “os contratos tem força de lei entre as partes” e quaisquer que sejam as modificações, se elas não estiverem previstas nos instrumentos não possuem validade. Esse princípio fora chamado de princípio da obrigatoriedade.

Entretanto, devido aos deletérios efeitos da racionalidade limitada, o que se verifica atualmente na prática é que durante a execução dos projetos, e consequentemente, de seus contratos, aparecem acontecimentos extraordinários e imprevisíveis ou cuja previsibilidade demandaria alta especialidade e que revelam, a injustiça da aplicação do princípio da obrigatoriedade.

O novo código civil e a abertura para a apresentação dos claims.

Não é objetivo deste trabalho realizar uma dissertação jurídica sobre a aplicação do novo código civil a claims, mas tão somente proceder a uma breve citação sobre a abordagem deste diploma a respeito do tema. Dessa forma, de todas as inovações que o mesmo veio a trazer, uma das mais importantes delas tenha sido a inserção da chamada “função social do contrato”.

A função social do contrato transcende à vontade individual das partes e tem por princípio de que o contrato firmado não pode sob nenhuma hipótese ferir interesses da sociedade e dos próprios contratantes, ainda que por ele autorizados. Assim é importante ressaltar, que é a função social um grande limitador da autonomia da vontade, já que a partir desse princípio não é lícito nenhum ajuste que estabeleça lesão ou perturbação no exercício de direitos de outrem.

Mas, de todas elas, a mais importante, sem qualquer sombra de dúvida é a que trata da onerosidade excessiva, prescrita nos artigos 478 a 480 e que também estabelece a revisão judicial dos contratos.

Se a própria lei estabelece que situação onerosamente excessiva poderá gerar alteração do contrato de forma tão clara, conforme os citados artigos, não existe motivo para que as PARTES contratantes não se inclinem ao bom senso e a boa fé, e de forma amigável resolvam a disputa. Mesmo porque deixar tal contenda prosperar, além dos prejuízos normais gera um desgaste ao longo dos tramites de um processo judicial sem falar na morosidade da justiça.

Dessa forma, a lei brasileira dá plena liberdade a qualquer das partes contratantes, para que, em boa fé e em se verificando que ocorrera uma mudança nas condições em que o negócio foi pactuado, apresente, o seu estudo de ressarcimento de custos adicionais.

 

Acesse a segunda parte do artigo através do link: Claims no Gerenciamento de Projetos – II
Acesse a terceira parte do artigo através do link: Claims no Gerenciamento de Projetos – III

 

Geovane Mendes Martins
geovane@hormigon.com.br
Engenheiro Civil – FUMEC
MBA | Gestão de Projetos – FGV

Geovane Martins é sócio da Hormigon Hect e possui mais de 20 anos de experiência no ramo de engenharia e administração de contratos, notadamente em processos de gerenciamento de projetos, gerenciamento de pessoas, e consultoria na elaboração de Claims. Atualmente provê trabalhos de consultoria em Gerenciamento de projetos e contratos para para a indústria de celulose, energia e mineração no Brasil e Argentina (contratantes), assim como consultoria na elaboração de claim’s para construtoras e montadoras. Atua também como assistente técnico em demandas no judiciário e em câmaras de arbitragem, apoiando escritórios de advocacia. No momento participa de causas que superam R$ 300 milhões.

João Almeida é Engenheiro

João Almeida é Engenheiro e Professor Universitário. Possui mais de 12 anos de experiência no ramo de engenharia civil notadamente em processos de aquisições, planejamento e orçamento em obras de construção, modelagem de processos de negócio, processos financeiros, serviços de financiamento habitacional e consultoria na elaboração de Claims.